VIVA EU, VIVA TU, VIVA O RABO DO TATU
Cabra
cega. Essa era uma, entre tantas outras, das distantes brincadeiras da
gurizada da minha rua que quando o sol se punha, avivava-se para um
repertório de inocentes cantigas de rodas e desejos não tão inocentes
assim.
Na
brincadeira do passa anel, meninos e meninas ocultavam uns pelos outros
o desejo de ser castigado. De ter de pagar com o castigo de um tímido
beijo: paixão segredada! ...Por isso, dona Chica, faz favor de entrar na
roda... Nada contra as opções sexuais nos dias de hoje, também naqueles
idos dias, opções estranhas existiam, de forma pacata, mas existiam.
Quem
chegar por último é mulher do padre e ninguém queria sê-lo. Entre os da
minha tribo, os guris eram machos e as gurias eram fêmeas e as paixões
eram tidas entre os diferentes e apenas a amizade, e o amor em sua
essência, entre os iguais.
Não
é preconceito, mesmo porque eu não o tenho, era, são e serão conceitos
preestabelecidos em regras que foram criadas por alguém para serem
perpetuadas pelos demais.
...Diga um verso bem bonito, diga adeus e vai embora.
Dos galhos podados das árvores resultavam pequenas cavernas, para onde nos metíamos para meditações sobre o nada.
Naqueles
dias a inveja, o ódio e até mesmo a raiva eram sentimentos
neutralizados pela alegria. O anel que tu me destes era vidro e se
quebrou...
Com
o advento da internet, do mundo ponto com, as coisas já haviam mudado. A
TV e o sofá já haviam feito da sala a extensão da rua e o brilho da lua
e das estrelas tornaram-se opacos.
Numa atitude insana, nos enveredamos por atalhos rumo à lei do menor esforço e ao colesterol.
Hoje
não queremos mais saber com quem está o anel, do passa boi passa
boiada..., da ciranda cirandinha, do dá um tapa na bunda e vai esconder,
nem com quem está a feda. Hoje a onda é outra. É surf my brother! E
ninguém é obrigado a pagar mico. Viva eu, viva tu. Viva o rabo do tatu.
É. Hoje os dias são outros, porém a corrida continua e quem chegar por último continuará sendo a mulher do padre. Céus, como era inocente a inocência de meus dias.
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